quarta-feira, 4 de abril de 2012

Seis fantasmas


Abro os olhos e vejo as imagens do meu sonho se dissolvendo em instantes na realidade do meu quarto. Os personagens piscam azuis e desaparecem com os dedos em riste na minha direção. A luz branca e forte do sol do meio dia se enfraquece até virar a luz amarelada e tênue do amanhecer.
Estou atrasado, mas não consigo levantar de uma vez só. O corpo não responde. Como um trem saindo da estação, acelero gradativamente. Tomo um banho rápido, um café e saio de casa. Não lembro o que sonhei, só das formas fantasmagóricas que sobreviveram a ele.
Sento na última janela disponível. Mesmo com o sol banhando meu rosto, fecho os olhos. O vento bagunça meu cabelo. Abro os olhos. Sobrevôo a cidade a uma velocidade absurda. Olho apenas para frente, a procura do meu destino e sem me preocupar com o que está atrás de mim. A cidade se expande por todo meu campo de vista, mesmo eu estando bem acima de seus prédios mais altos.
Ao longe, avisto uma mancha verde em meio à vastidão de concreto. Um parque. Ando por aqueles caminhos conhecidos enquanto uma multidão me encara raivosa. O lugar está mais cheio do que todas as vezes que passei por ali. Não reconheço nenhum rosto na multidão, apenas a expressão de ódio é evidente. Passo sem me importar muito com isso em direção aos brinquedos.
Seis crianças que brincavam ali param o que estão fazendo assim que me vêem. Encaram-me. Três casais.  Nenhuma com mais de cinco anos. Nenhuma sorrindo. Nenhuma chorando. E, em seus rostos, nenhum espaço para qualquer um dos dois.
Parado em frente aos brinquedos, um círculo se forma ao meu redor. As crianças a minha frente, impassíveis. A turba ao meu redor, exalando ódio. O tempo parado. Expressões congeladas. Mesmo os pensamentos são vagarosos como se estivessem nadando em melado.
Seis pequenos indicadores apontam em minha direção. O sinal é dado. A horda avança me cercando. Não há para onde fugir. Porque não existe essa possibilidade. Cada vez mais perto. Parado ali, espero apenas um instante para que elas cheguem. E a absorvo. O fluxo é infindável e sinto-me inchar cada vez mais. E mais pesado. E mais denso. E mais tenso. Explodo como um balão quando tudo acaba.    
Acordo um ponto antes de onde desço. Seis figuras fantasmagóricas apontam para mim a partir do sonho e evaporam.

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