quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Para L


Antes de postar o poema propriamente dito, eu tenho dois esclarecimentos para fazer: Primeiro e mais importante, eu não sou um poeta. Sou apenas um cara que escreve alguns textos que eventualmente vem a ser poesias. Então não reparem na falta de originalidade e força do poema. Segundo, L não é alguém em especial. É uma mulher aleatória. Tenho que falar isso para não gerar mal entendidos complicados para o meu lado. Dito isso, aqui está o poema:

Para L

Se eu possuísse palavras,
eu as libertaria.
Apenas para vê-las dançar
formando versos
estrofes e poesias.
Imagens de beleza incalculável,
mas nenhuma se compararia
com  a totalidade da minha realidade,
que é você.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Jantar


Fui a um restaurante com minha esposa. Frutos do mar. Já tínhamos nos prometido isso há muito tempo, mas a rotina havia impedido. Realmente estávamos precisando de um tempo a dois. Eu queria uma churrascaria, mas ela ganhou a discussão. Dessa vez. No carro eu dirigi. Ela ligou o rádio. E fomos a viagem inteira sem conversar. Quando chegamos, conseguimos pegar uma boa mesa, ao lado do aquário dos frutos do mar.
Foi então que vi uma linda mulher entrar no restaurante. Cabelo negro, liso como seda, preso em um pequeno coque atrás da cabeça. Uma camisa também negra, com um dos ombros a mostra, e uma calça jeans cinza. Ela estava acompanhada de um homem com o cabelo começando a ficar grisalho usando uma calça também social e uma camisa rosa claro.
Os dois vieram se sentar um uma mesa perto da nossa e pude observar melhor o rosto dela. Olhos grandes como uma noite estrelada, um nariz saído de um livro do Monteiro Lobato e uma boca discreta, mas perfeitamente proporcional. Conhecia aquele rosto. Mas não sabia de onde. O homem eu só olhei o suficiente para saber que nunca o havia visto.
Devo apenas ter a visto de passagem na rua e gravado o rosto, devido à beleza. Voltei para minha esposa. Ela estava falando sobre o trabalho e  me engajei em tentar prestar atenção. De vez em quando soltava um comentário pertinente enquanto esperava a chegada dos nossos pedidos e a ocasional diminuição no fluxo de palavras.
Ainda demorou um pouco para que minha espera fosse recompensada, mas os pratos chegaram. Truta grelhada ao molho de alcaparras e camarão ao catupiry. Começamos a comer assim que fomos servidos, o que ocasionou um relativo silêncio e com isso a possibilidade de  voltar a observar as pessoas ao meu redor.
No restaurante a maioria das pessoas já estava comendo e todas, pelo menos pareciam, pertencer a uma classe social privilegiada. Todos seguiam um padrão no modo de vestir. As mulheres mais jovens de jeans e camisetas, batas, etc. As senhoras, de tailleur ou vestido. Os homens se vestiam de jeans e pólo ou calça e camisa sociais, dependendo da idade. Todas as roupas, em algum detalhe, indicavam que pertenciam a uma grife.
Pedimos a sobremesa. Enquanto esperávamos a conversa tomou fôlego. Dessa vez sobre política. Eu não poderia deixar rolar agora. Tinha que defender meus ideais. A discussão beirou a briga. Apesar de casados, nossas opiniões políticas eram no mínimo divergentes, para não dizer antagônicas.
O sorvete chegou bem a tempo de esfriar os ânimos. E a conversa morreu. Os dois um pouco chateados um com o outro. Comemos em silêncio. O sorvete tinha um gosto amargo, mas comemos com resignação. Apenas para não ter de deixá-lo na mesa. Paguei a conta com o cartão dela.
Quando nos levantamos para sair, a mulher que havia visto antes também estava saindo, acompanhado do homem que a trouxera. Eles saíram na nossa frente e pude apreciar a mulher de costas. Cintura fina, quadris largos e arredondados, pernas grossas. Reconheci aquele corpo. Ele saiu pela porta do restaurante e nunca mais o vi.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Inseto Monstruoso


Entrei naquela sala com um profundo sentimento de confiança. Era o primeiro emprego dentro da minha área. Eu já havia tido outros trabalhos, mas nenhum emprego. E não era um qualquer. Era na melhor firma do mercado. Como consegui tamanha honra, eu não sabia. Sabia apenas que era tudo pelo qual eu havia estudado para.
Eu fui procurando a minha mesa enquanto acenava para os que passavam por mim. Era uma sala grande, com umas vinte mesas, e a menor delas era a minha. Era uma escrivaninha simples com um computador simples em cima. Nada mal para quem tinha acabado de chegar.
No dia anterior eu já tivera uma reunião com minha chefe, na qual ela me explicou qual eram as minhas funções. Consistiam basicamente em processar os dados brutos e transformá-los em relatórios para serem enviados à central. Havia uma pequena pilha de papeis impressos em cima da minha mesa e eu comecei a trabalhar assim que liguei o computador.
O trabalho rendeu bem, e no meio da manhã eu fui procurar um café, já que a faculdade havia me viciado nesse líquido negro. Como não achei logo de cara, fui perguntar a um colega. Ele ficava em uma pequena sala ao lado dos banheiros, no fim do corredor. Havia duas pessoas lá, também curtindo um café. Aproveitei para começar a me enturmar.
Na volta para minha sala, passei olhando as outras salas. As portas eram de vidro e permitiam ver quase tudo. Mas o que eu vi me causou tamanho nojo que eu pensei que ia vomitar. Eu não conseguia acreditar. Mas ali estava. Na sala ao lado da minha, um inseto monstruoso sentado, mexendo no computador.
Eu olhei para os lados, enjoado, buscando uma confirmação para o que eu havia visto. Mas ninguém parecia estar vendo o que eu via. Ou não se importavam. Todos continuavam a trabalhar normalmente, assim como o inseto, que com suas múltiplas patas digitava velozmente. Voltei para minha sala, mas tinha medo de comentar com os outros. Se eu estivesse vendo coisas? Ou pior: se os outros não se importassem com isso?
Tentei trabalhar mais um pouco, mas não consegui. Esperei mais um tempo e arranjei uma desculpa para sair de novo e passar de novo pela sala ao lado. Quando passei lá, tive a confirmação. Havia um inseto trabalhando nesta firma. O trabalho não rendeu mais. Passei o resto da manhã pensando em como uma aberração tinha conseguido entrar para uma firma em que eu, completamente normal, lutara tanto para conseguir.
No horário do almoço, fui convidado pelo colega da mesa ao lado a ir a um pequeno restaurante que havia por perto. Foram ao todo seis pessoas. O almoço serviu para me distrair de minha indignação, pelo menos até eu descobrir que a sala ao lado era a da administração regional, ou seja, a sala dos meus chefes.
Era um absurdo! Um inseto, cascudo, nojento, ser meu superior. Era inaceitável. Uma firma que tem esse tipo de pessoal não poderia ser séria. Eu fiquei remoendo aquilo por toda a tarde. O trabalho aquela altura estava em último plano. No meu primeiro dia no emprego, eu não consegui cumprir minha meta diária e fui para casa assim que deu o horário de eu ir embora.
Enquanto preparava minha janta solitária, tomei uma decisão: não deixaria um inseto estragar a chance que eu tinha esperado tanto para conseguir. E mais: eu chegaria ao lugar que ele ocupava e mais. Mas para isso eu tinha que me esforçar o dobro para tirar a má impressão que havia ficado do meu primeiro dia.
No dia seguinte eu cheguei cedo no trabalho e tirei todo o atraso do dia anterior ainda pela manhã. No almoço, almocei com o mesmo pessoal e de tarde, além do que tinha que fazer para o dia, adiantei o trabalho do dia seguinte. Pelos próximos dias foi assim. Eu trabalhava o dobro do que eu precisava, porque eu tinha um objetivo a cumprir.
Com o tempo, fui descobrindo coisas sobre o meu rival. Uma das primeiras foi o nome dele: Gregor Samsa. Depois fui descobrindo que ele começara no mesmo cargo que eu, que trabalhava aqui há dez anos, que era um dos melhores funcionários da empresa, que era adorado por todos.
Também com o tempo, e muito esforço, eu fui subindo na hierarquia da empresa. Como conseqüência eu fui tendo mais contato com a administração. Sempre que eu o via uma onda de repulsa passava pela minha espinha, mas ele sempre me tratava muito bem. Sempre que ele pedia para eu fazer alguma coisa, era algo razoável. Eu pude ver que as decisões dele eram sempre muito acertadas.
Eu nunca deixei de trabalhar duro, mas conforme eu conhecia Gregor, mais eu entendia que ele estava ali, naquele cargo porque ele merecia. O inseto foi ficando menos nojento, menos cascudo, menos inseto. E eu percebi que a única coisa monstruosa naquela firma, havia sido eu.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Depressão


Eu odeio isso. Para dizer a verdade, não odeio. Quando estou assim não tenho forças nem para odiar. O ódio consome a gente. E no momento não há nada a consumir. Estou apenas uma casca vazia. Sem emoções, vontades ou prazeres. Apenas um vácuo que suga toda a força dos meus músculos e me deixa em um estado de letargia suprema.
Suprema, mas não eterna. Como tudo na vida, na minha vida pelo menos, isso é cíclico. Vem e vai ao sabor das marés. Inconstante como os ventos. Mas nunca passa de vez. Nem dura muito tempo. Eu não posso controlar. Ninguém pode. Mas eu posso conviver com isso. Ou não.
Quando estou assim, só há uma urgência: preencher-me. De comida, livros, comunicação... Tudo o que possa, mesmo que por um instante, aplacar a fúria do vórtice que existe em meu peito. Mas nada adianta. Eu comeria a geladeira inteira e segundos depois estaria no mesmo estado. Leria a Biblioteca Nacional e não mudaria nada. Surfaria na internet por um mês e assim que me desconectasse o buraco ainda estaria lá.
A única coisa que funciona é nunca parar. Até os planetas se alinharem e eu estar bem de novo. Mas quando eu paro, o mundo cai na minha cabeça. Todas as más escolhas que eu fiz, só para continuar caminhando. Mas eu sei que se eu tivesse parado antes, talvez eu tivesse caído, mais uma vez. E quem sabe se eu teria me levantado?

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Afogado


Era um pequeno sítio, em uma cidade do interior do estado, onde eu tinha passado as melhores partes da minha infância. Uma casa de fazenda ampla e arejada, dois pequenos lagos para pesca, uma horta, um viveiro para coelhos e um bambuzal que cercava um dos lagos. Lugar perfeito para se passar um temporada longe de toda agitação da cidade.
Era exatamente isso que estávamos fazendo. Um pequeno grupo de amigos, curtindo um feriado. Apenas pescando, bebendo e jogando conversa fora. A harmonia e a camaradagem reinavam no local. Há uns dois dias estávamos ali e nenhum desentendimento, nenhuma discussão aconteceu.
Eu fui pegar mais umas cervejas para o resto do grupo, que ficaram entre os lagos conversando. Peguei a cerveja e da casa vi que eles riam de algo. A conversa devia estar interessante.  Chegando perto, reparei que de vez em quando olhavam para mim. Andei mais depressa, só para chegar a tempo de ouvir meu nome ser pronunciado antes de mais uma onda de risos.
Perguntei logo o que falavam de mim. Alguém prontamente me entregou um celular. “Está tudo gravado ai.” Peguei o celular, um smartphone negro, mexi em algumas funções antes de achar o que estava procurando, o que se passara enquanto eu estava pegando a cerveja. Botei para assistir e fui andando em direção ao lago. E não parei quando ele começou.
Eu dei o primeiro passo na água gelada e ainda ouvi alguém gritar alguma coisa antes de ser tragado. Alguma força me puxava para o fundo. Estiquei o braço para salvar o celular, mas o lago era mais fundo que parecia. Eu ia afundando e a escuridão se adensava cada vez mais. Estava me afogando. O ar fugia dos meus pulmões. As coisas acima da superfície ficavam cada vez mais difusas. A escuridão me cercava. Era nela que eu me afogava, não na água. Mas do negro começou a surgir uma prateleira sobre a minha cabeça. Uma escrivaninha apareceu ao meu lado. Cobertores me cobriram. E eu estava no meu quarto.