quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Até mais

Caros leitores do meu querido blog, eu estou passando por uma fase meio atribulada na faculdade, com muitos trabalhos e coisas para estudar, o que está acabando com a minha criatividade. Para que o nível do blog não caia e eu continue tendo tempo de estudar, que afinal é tudo que eu faço da vida, eu vou ter que descontinuar o blog por tempo indeterminado. Provavelmente até as férias, mas talvez um pouco mais. De qualquer forma eu deixo vocês com essa singela poesia de minha autoria e digo: Até mais.

De passagem

O tempo passa por mim,
acena
e diz:
Fui!
E o pior:
Eu digo:
Vai com Deus.

domingo, 7 de novembro de 2010

Chuva

Hoje era o grande dia. Eu passara mais de um mês jogando indiretas, cantadas sutis... Enfim, dando mole. Garota difícil. Mas eu consegui marcar um encontro, longe dos amigos, da faculdade... Só nos dois. Tudo estava calculado nos mínimos detalhes para dar certo. Eu iria esperá-la na praça e, depois de algumas voltas, levá-la a um restaurante próximo.
Eu tinha que me apressar. Eu tinha marcado as seis, mas eu queria chegar lá antes, para não ter nenhuma surpresa desagradável. Eu saí de casa e fui para o ponto de ônibus. O céu estava lindo, com algumas nuvens douradas no horizonte, prenunciando chuva. Eu não estava levando guarda-chuva, mas esperava que até começar a chover eu já estivesse dentro do restaurante. Depois eu veria como fazer.
O ônibus demorou a chegar. Eu fiquei olhando meu relógio de minuto em minuto. Quando ele chegou, ainda tinha tempo de sobra para chegar a tempo. Na curta viagem, eu fiquei apenas pensando nela. Em seus cabelos de noite, em sua pele de mármore, em seus olhos como uma mata inexplorada. Quase que eu perco o ponto, perdido em meu devaneio.
Cheguei quinze minutos antes do combinado. A praça estava começando a esvaziar. As babás com as crianças já estavam indo para casa, pois começava a escurecer. Os primeiros casais apaixonados apareciam e eu mal acreditava que logo eu poderia ser um deles. Os minutos passavam como lesmas e eu os contava um a um. O chão sob os meus pés foi pisoteado muitas e muitas vezes antes que chegassem as seis horas.
E quando chegou a hora combinada, depois de quilômetros percorridos sem sair do lugar, ela não apareceu. Eu olhei ao redor a procura do menor sinal dela e nada. Eu via os casais andando pela praça, sentando nos bancos, e eu sozinho, esperando. Mas um pequeno atraso não é nada. Ninguém chega sempre na hora. Eu olhei o céu. As nuvens estavam encobrindo o que restava do dia. E agora havia pouca claridade.
Cada minuto que ela atrasava fazia com que o tempo passasse mais lento, em uma progressão geométrica enlouquecedora. Eu esperava impacientemente por ela. Todos os casais estavam se dirigindo a algum lugar. Eu liguei pela primeira vez para ela. “O número que você discou se encontra desligado ou fora da área de cobertura”. Mas ela vinha, eu tinha certeza. O céu estava completamente negro agora, o dia já tinha se extinguido e as nuvens haviam coberto tudo.
Começou a chover. As gotas caiam lentamente, molhando devagar, mas sempre. Eu olhei para os lados. Não havia um único lugar onde eu pudesse me abrigar. Todos os casais haviam ido embora. Liguei mais uma vez. Ela devia estar presa em um engarrafamento, ou tinha perdido a hora. Ouvi a mesma mensagem. E eu estava ali, sozinho, parado, e esperando.
A chuva havia virado uma tempestade. Não havia para onde correr. Eu escorria água. Raios cortavam os céus. Relâmpagos iluminavam a noite. Trovões estremeciam os vidros das casas. O vento chacoalhava mesmo os galhos mais fortes das árvores. E eu continuava esperando. Ela viria, eu tinha certeza. Agora eu não tirava o ouvido do celular, mas a mesma mensagem se repetia sempre.
Vejo as horas. Oito e meia. Olho em volta. Nada. Ela não vem. A tempestade começa a passar. Eu me dirijo ao meu ponto. Pego um ônibus. Vou para casa.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Devaneio

Acordei desejando apenas voltar a dormir. Há algum tempo eu me sinto assim, querendo continuar sonhando para não encarar a realidade. Mas a realidade é mais necessária que o sonho. Seria mesmo? Eu começo a divagar. Cada vez que eu olho para a realidade mais o sonho me parece interessante. No sonho pode acontecer a maior desgraça possível, mas você sabe que é um sonho. Que logo você acorda e tudo vai ter passado.
Mas para onde você acorda? Para a realidade. O lugar onde a sua vontade produz resultados para os outros. Onde você pode mudar o mundo. A realidade não é facilmente trabalhada. Não pode ser mudada em um passo de mágica. O que é mudado não vai voltar ao que era, em um fechar de olhos. Mas os erros também permanecem para todos verem.
Nos sonhos, os erros não existem. Tudo é permitido. Tudo é certo. O mundo é um parque de diversões, com todos os melhores brinquedos. Andar de carrossel, soltar pipa, passar no vestibular, pegar a irmã do amigo, casar com a mulher perfeita, ganhar na loteria. E tudo sem esforço nenhum. Sem luta. Mas sem luta, de que vale o prêmio?
A luta diária é que faz a vida. Sem esforço, qualquer recompensa perde o significado. Você pode aproveitar a parte material dela, mas espiritualmente você está perdendo. Perdendo tanto por não lutar, quanto por não evoluir, em qualquer significado que você dê para essa palavra. Mas, nem toda luta você ganha. E das lutas perdidas você precisa se recuperar.
Os sonhos são feitos para se recuperar das derrotas sofridas. Para cada uma, há um sonho pronto, perfeito para a ocasião. Eles lhe ajudam a reviver os medos, sem traumas. Eles lhe levam aos lugares que você nunca poderá ir, sem custos. Eles lhe trazem o amor de sua vida em uma noite, sem erros. Mas nem sempre o que você precisa é o que você quer. E ai, surgem os pesadelos.
Por pior que seja a verdade, você pode sempre modificá-la. Pode trabalhar para mudar. E se você fizer direito, resultados aparecem. Mesmo que não sejam visíveis. Toda pedra que é colocada na sua frente, é porque você pode retirar. E se suas forças não forem suficientes, sempre há alguém para levantá-la com você. Mas o sonho é um caminho sem pedras... Mas as pedras é que fazem o caminho valer a pena... Mas precisa-se descansar em uma caminhada... Mas precisa-se seguir em frente depois...
E eu me levanto sem convicção. A realidade e o sonho ainda se digladiando em minha mente. E o dia começa.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Eu, Tu, Ele, Nós, Vós, Eles.

Era uma bela tarde primaveril e eu estava atrasada. Andava apressada pelas ruas da cidade, tentando recuperar o tempo perdido. Procurava desviar das pessoas que atravancavam o caminho. Ia pensando nas contas que tinha que pagar e nas coisas que eu ainda não comprara. Fui direto pela rua, sem olhar para os lados. Então ouvi a buzina. Olhei para o lado e vi os faróis vindo em minha direção.
Eu te vi atravessando a rua sem pensar. Apertei os freios e a buzina ao mesmo tempo, mas já era tarde demais. Tu apenas olhastes em minha direção antes que o carro te atingisse. Dobrastes teu corpo e batestes a cabeça em meu pára-brisa, antes que caísses no chão. As rodas do carro ainda passaram por cima de ti antes que eu conseguisse pará-lo.
Quando ele ouviu o barulho, apenas a viu debaixo do carro. Ela não se movia e estava em uma posição estranha, antinatural. Mas ainda respirava. O dono do carro saiu dele desesperado, já ligando para a emergência. Ela sangrava pela boca e nariz, mas por fora não parecia ter se machucado muito. Os maiores danos deveriam ser internos. O barulho da ambulância já podia ser ouvido.
Quando chegamos ao local, uma pequena multidão já se formava ao redor do lugar do acidente. Foi até difícil para passarmos pelas pessoas. Conseguimos retirar a moça com relativa facilidade de baixo do carro. Ela, levando em conta a gravidade do acidente, poderia estar bem pior. Levamo-la para a ambulância e corremos como sempre, em direção ao hospital. Chegando lá, ela foi direto para a sala de cirurgia.
Vós contastes que ela estava sendo operada. Ela quebrara algumas costelas, uma perna e tivera uma perfuração em um pulmão, mas vós dissestes que estáveis fazendo o máximo para que nossa filha ficasse bem. Ela já estava estável, mas vós ainda estáveis preocupados, pois ela tinha perdido muito sangue. Depois, vós entrastes de novo no centro cirúrgico, deixando-nos a espera do fim da cirurgia.
Eles estavam sentados e confortando-se mutuamente quando o médico saiu da sala de cirurgia. Viram-no e podia-se ver que eles esperavam noticias de sua filha. Sorte a deles que dessa vez eram boas novas. Quando souberam que sua filha estava bem, as lágrimas correram de seus olhos. Eles foram abraçar o médico, embora ele não tivesse feito nada mais do que a obrigação dele. E assim essa história pôde ter um final feliz.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

O Duelo

E então, os dois cavalheiros marcaram o inicio do duelo para o dia seguinte, ao pôr do sol, na arena central. A noticia já corria rápida pelos caminhos convencionais. Os cavalheiros foram para direções opostas, prepararem-se. A disputa de muito tempo finalmente se converteria em combate. Quem afinal ganharia o coração de Vitória?
Na hora marcada, a arena estava lotada de sentimentos, e todos discordavam sobre quem deveria ganhar. O juiz já se encontrava a postos quando os dois cavalheiros apareceram. Exatamente ao mesmo tempo e vindos de pontos opostos da arena. Um trajava branco dos pés a cabeça enquanto o outro vinha todo de negro.
Cada combatente escolheu sua arma e se dirigiu a um extremo da arena. Quando foi dado o sinal eles começaram a se aproximar cautelosamente, medindo os movimentos um do outro. O duelo começou sem grandes emoções. Os duelistas eram experientes e tinham um nível de habilidade muito semelhante.
O primeiro golpe veio para o cavalheiro de branco. Todos na arena vibraram. Uma onda de euforia atingiu Vitória. Ela sentia vontade de gritar até os pulmões estourarem. De sair pulando pelas ruas. De não parar de se mover um segundo. O cavalheiro de branco agradeceu as urras da multidão.
O cavalheiro de negro não perdeu tempo e, aproveitando a distração do outro, deu seu primeiro golpe. Um silêncio mortal passou a reinar na arena. Vitoria foi assolada por uma depressão sem igual. Sua vontade era de não fazer absolutamente nada. De deitar em uma cama e apenas ficar lá, sem pensar. O cavalheiro de negro não se desligou do combate.
O duelo continuou sem vencedores. O cavalheiro de branco sempre ágil e destemido, pronto para se jogar a luta. O cavalheiro de negro quase não se movia, mas seus golpes eram duros e precisos. O duelo nunca terminava. Não tinha um vencedor. Às vezes, os golpes vinham mais rápidos, outras mais espaçados. E a cada golpe uma onda de euforia ou depressão atingia Vitória.
O duelo continuou por dias, meses. Sempre alternando euforia e depressão. Por fim, não teve jeito. Vitória foi ao psiquiatra. Foi diagnosticada com transtorno bipolar.

domingo, 10 de outubro de 2010

O Mergulho do Cisne

Eu olhei para a água a muitos metros abaixo de mim. Ela estava serena e refletia a luz do sol. Pensava que toda a minha vida culminava nesse ponto, nesse salto. E agora não sabia se teria coragem de saltar. Se eu iria acabar logo com isso. Tudo girava ao meu redor. Eu ouvia apenas a minha respiração entrecortada e as batidas descontroladas do meu coração. Fechei os olhos e saltei.
Desde criança, eu fora uma menina prodígio. Nas minhas primeiras aulas já me destacava dos meus colegas de turma. Fui a primeira da turma a aprender a ler e a escrever. Nos primeiros anos do ensino fundamental, só tirava a nota máxima. Eu impressionava tanto os meus pais quanto os professores.
Mas foi quando comecei a treinar que me descobri. Com dez anos, eu era a melhor da equipe e começava as minhas primeiras competições. Sempre levava para casa alguma medalha. Sentia a inveja nos olhos das outras crianças e o despeito nos olhos das outras mães. Eu era o centro das atenções. E estava deslumbrada.
Este deslumbramento foi a minha perdição. Passei a cada vez mais querer chamar a atenção. Fosse nos treinos, fosse na escola. Esforçava-me além do necessário e até além do possível para conseguir as melhores notas, independente de onde fosse. E quando não conseguia o primeiro lugar, mesmo que por pouco, eu me sentia completamente desconsolada. Porque sabia que eu era a melhor.
Passei a me afastar dos meus verdadeiros amigos, os que tentavam me tirar do redemoinho de vaidade em que estava me afogando. Cerquei-me de bajuladores, que apenas me elogiavam sem me apoiar realmente, muito menos me ajudar. A minha família tentava ao mesmo tempo me felicitar por minhas conquistas e botar juízo na minha cabeça. Falhava nas duas tentativas.
Com o tempo, fui percebendo que estava solitária, perdida em meu orgulho. E em vez de tentar recuperar o que tinha antes, passei a me exigir cada vez mais, pois se impressionasse os outros o bastante, talvez não ficasse mais sozinha. Propunha-me metas cada vez mais absurdas, ia desrespeitando todos os limites da sanidade. Pressionava-me para ser perfeita em tudo, e nem sempre conseguia. Essa pressão me trouxe a este momento.
A água se aproximava rapidamente de mim. Parei de pensar. Apenas me movimentava delicadamente, como havia feito tantas vezes antes no treino. Não errei um detalhe sequer. Atingi a água com o mínimo de impacto possível. Ao voltar a superfície eu ouvi os aplausos. E quando a nota saiu, sabia que tinha vencido. Que tinha conseguido. Eu tinha sido perfeita.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Mudança

Era uma manhã normal. Eu tinha tomado um banho, o café da manhã e estava sentado vendo televisão. O dia estava sem graça, nem frio, nem calor, o céu nublado, perfeito para se ficar em casa. Na rua, poucos carros e um ou outro ônibus passavam quebrando o silencio. Foi quando os homens sem rosto chegaram.
Começaram por avaliar cada lembrança, cada pedaço de recordação que eu tinha. Mediam, pesavam, quantificavam, sem nenhuma consideração com o significado que elas tinham para mim. E eu não podia fazer nada contra eles, apenas ficar observando eles estuprarem a minha intimidade.
Logo em seguida, eles começaram a embalar a minha vida. Pegavam os melhores anos da minha infância, as maiores besteiras da juventude, as mais importantes conquistas da maturidade e as enrolaram em plástico-bolha, papelão e fita adesiva. E ordenadamente botaram em caixas, cada uma com sua respectiva identificação.
E então começaram a levar as partes do meu eu. Pegavam, botavam no ombro e, sem nenhuma consideração, levavam para algum lugar que eu não sabia onde. Com toda a calma e ordem possível, eles levaram tudo o que era eu. Não deixaram nada, apenas uma casca vazia.
E por fim, me embalaram, me encaixotaram, e me levaram para longe.

Ausencia

No dia seguinte, Marcos acordou de supetão. Levantou pensando no que acontecera. Estava meio desorientado, procurando achar algum motivo para o seu comportamento do dia anterior. Não achou. Não tomou café, preferiu tomar achocolatado. Como o trabalho só começava à tarde, passou toda a manhã na cama vendo TV e pensando se não deveria tirar um dia de folga para relaxar.
Preferiu ir ao trabalho. Foi de ônibus, e durante todo percurso ficou prestando atenção em si mesmo, a procura de qualquer sinal de descontrole. Quando, depois de uma viagem tensa, chegou ao trabalho, tratou de ir logo para o seu posto de vigia da fábrica. Passou o resto do dia quieto, apenas falando o estritamente necessário. Quando foi a hora de voltar para casa, tomou um taxi.
Chegou sem nenhum problema. A casa estava um tanto quanto bagunçada. A louça acumulada, do café da manhã e do almoço, estava na mesa, a cama estava desarrumada e no banheiro parecia que tinha passado um furacão. Mas Marcos não estava com cabeça para arrumar nada. Foi para a cozinha preparar algo para comer, mas só tinha miojo na despensa. Comeu miojo mesmo e foi se deitar. Ficou rolando na cama um bom tempo antes de conseguir dormir.
Quando acordou, ainda era cedo. Levantou e foi para a cozinha. Assim que entrou se lembrou que não tinha comida em casa. Tinha que ir ao supermercado. Trocou de roupa e foi. Era a primeira vez que andava a pé depois do ocorrido. Ele estava receoso de acontecer novamente, mas ele não tinha outras opções. O caminho foi tranqüilo. Ele comprou o que precisava para o dia e voltou rapidamente. Depois de tomado o café, passou o resto da manhã arrumando a casa.
O caminho para o trabalho foi o mais perto do normal possível. Não houve nenhum imprevisto e até o trânsito ajudou. Ao chegar, Marcos cumprimentou os amigos e foi para o posto. Estava com um humor melhor e falou com todos que falaram com ele. Ele relaxou e voltou para o velho hábito de tentar descobrir a vida das pessoas. Um estava de mau humor, com a camisa toda amarrotada, tinha brigado com a mulher. O outro estava com uma camisa nova e sorrindo a toa, tinha ganhado um aumento.
Na hora de ir para casa, a dúvida que o tinha perseguido durante todo o dia voltou com toda a força. Ele gastava uma fortuna para ir para casa relativamente tranqüilo ou ia a pé e corria o risco de ter outro ataque? Ônibus a essa hora não tinha mais. Ele foi enrolando a saída para ter tempo de pensar, mas mesmo assim quando ele saiu ainda não tinha certeza se tinha escolhido certo.
Ele foi passando por lugares conhecidos se controlando ao máximo. A rua estava deserta, mas dessa vez ele tinha certeza disso. Conforme as areias do tempo escorriam, Marcos ia ficando cada vez mais tranqüilo. Ao chegar em casa, ele arrumou o pouco que tinha que arrumar, comeu o que sobrara do almoço e foi se deitar. Pouco antes de dormir, percebeu que finalmente estava sozinho.

sábado, 18 de setembro de 2010

Presença

Marcos olhou para trás. Não havia ninguém naquela rua deserta. Só ele e seus pensamentos. Continuou andando. Era um longo caminho para casa, mas era algum exercício em uma vida sedentária. Além do mais, era uma boa desacelerada. Dava tempo de limpar a mente do dia de trabalho.
O céu estava limpo e sem estrelas. A lua, cheia, fazia os postes de iluminação serem desnecessários. Uma leve brisa soprava, levando longe o cheiro de lixo de um caminhão que passava. Um arrepio passou pelas costas de Marcos. Ele olhou para trás de novo. Devia estar imaginando coisas, pois podia jurar que tinha alguém ali.
Já havia passado muito da meia-noite e todas as lojas estavam fechadas. Os manequins nas vitrines pareciam ganhar vida à meia luz. Na rua, não passava um carro. As calçadas, esburacadas, pregavam peças nos pés que passavam distraídos. Mas Marcos não estava distraído. Os olhos e ouvidos estavam no máximo grau de atenção. Atentos ao mínimo movimento.
Só que nada se movia. Apenas Marcos. Que sentia uma presença cada vez mais forte. Agora ele olhava para trás a cada passo. Mas isso não mudava o fato dele estar sozinho. Ele sabia racionalmente que não havia com o que se preocupar. Mas a mente não é só racional. Há os instintos. E, nesse momento, todos gritavam: PERIGO!!!
Ele passou a andar mais rápido. Quase corria pelo caminho tão conhecido em direção à segurança. Ele não olhava mais para trás, só olhava para frente para não tropeçar. Os únicos barulhos que se ouvia eram seus passos desesperados e sua respiração ofegante, mas ele sentia que havia algo mais.
Finalmente chegou em casa. Não conseguia achar o buraco da chave, mesmo com toda a luz da lua. Quando achou, entrou correndo e trancou a porta. A sensação só aumentava. Ele a sentia apertando seu peito ao ponto de não conseguir mais respirar. Sentia a vista escurecendo. Correu para o quarto e se enfiou, com roupa e tudo, embaixo das cobertas.
Os segundos transcorriam lentamente. Marcos ficou ali, sobrepujado por aquela presença aterradora que ele não sabia de onde vinha. O sono era a ultima opção que tinha. Mas não ele chegava. Ele ouvia o pingar de uma torneira, o vento balançando levemente as folhas de um árvore, o pio distante de um pássaro. E depois do que pareceu uma eternidade, ele dormiu.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

A Dor

Tudo começou com um pequeno incômodo intermitente no lado direito da cabeça. Um pequeno ponto de pressão. Algo natural e que só havia a espera para resolver. Ele continuou a trabalhar normalmente. Era mais um dia comum e chato na empresa em que a única coisa que realmente importava era a hora do almoço, a qual, para variar, não chegava.
O trabalho transcorria lentamente. Os dados não apresentavam nenhuma incongruência e ele ia organizando as tabelas da apresentação de amanhã. Quem iria apresentar os gráficos era o chefe, mas quem teria que montá-los era ele, que apenas sonhava com uma promoção que nunca chegaria.
O incômodo aumentava lentamente. Agora era contínuo e o ponto de pressão não era mais um ponto, e sim uma pequena área, localizada na parte posterior direita da cabeça, e que pulsava ao ritmo dos batimentos cardíacos. Ele começou a pensar em tomar alguma coisa, antes que o trabalho saísse prejudicado, mas teria que esperar até o intervalo já que não tinha nenhum remédio com ele.
Na hora do almoço, ele correu para a farmácia para comprar o seu remédio. Não era a primeira vez que tinha esse problema, então já sabia exatamente o que funcionava. Após a compra, foi comer tranqüilo. Dirigiu-se a um restaurante japonês que tinha ao lado do trabalho e pediu o de sempre, o combinado número dois, e um suco de laranja para tomar com o remédio.
O medicamento não ajudou em nada. A área de pressão, agora, atingia todo o lado direito da cabeça e cada pulsação era uma pontada de dor. Ela também afetava a parte de trás dos olhos, que os fazia arder e lacrimejar. A dor nunca tinha chegado nesse ponto depois de tomado o remédio e justo hoje ele não podia sair mais cedo. Tinha que fazer o trabalho, pois a apresentação seria amanhã.
Mesmo com a dor crescendo, lutou bravamente com os números. Apesar de o trabalho continuar fluindo, o humor dele foi todo tragado pela enxaqueca. Qualquer pessoa que ia falar com ele recebia como resposta um grunhido e uma ordem de não incomodar. Depois de algum tempo as pessoas pararam de atrapalhar e ele conseguiu acabar a apresentação.
A dor alcançou o ponto crítico. Todo o lado direito doía e pulsava como se tivesse uma marreta batendo repetidamente nele. Os olhos pareciam duas brasas com um prego perfurando-os por trás. A dor era tão grande que ele começou a ficar enjoado. Não havia a mínima condição de ele dirigir. Pediu à esposa que o buscasse.
Durante a viagem de carro, não falou uma palavra e cada vez que a esposa tentava falar, grunhia como um porco. Os barulhos do trânsito entravam pela cabeça dele e faziam lagrimas saírem por seus olhos. Ele ficou encolhido no banco do carro, querendo apenas que a dor parasse.
A luz agora passara a incomodar. O barulho passara a ser uma tortura. Ele sentia que ia vomitar a qualquer momento e a cabeça dele não mais existia, era apenas uma grande bola de dor e sofrimento. O tráfego estava ruim e ele pensava se não seria melhor morrer logo de uma vez ao invés de sentir aquela dor.
Quando chegou finalmente em casa, correu para o quarto. Fechou a janela e apagou a luz. Deitou na cama e ficou ali todo encolhido. Cada vez que ouvia um barulho mais forte que um alfinete caindo no chão, sua careta de dor piorava. E cada vez que sua querida esposa abria a porta para ver se estava bem, berrava de dor como um animal ferido.
Agora não havia mais pulsação e não importava mais se havia barulho ou luz. Não havia variação na intensidade da dor, ela era absoluta e tinha, há muito, passado do limite do insuportável. Então fez a única coisa que ainda não tinha tentado. Ele fugiu. Saiu correndo do quarto, tomou a rua e fugiu.
Quem o viu, apesar de sua forma e aparência, nunca diria que aquilo era um humano, tamanha a selvageria. Escondeu-se da luz e do barulho, mas não conseguiu se esconder da dor. E a dor o consumiu por completo.

sábado, 4 de setembro de 2010

Máscaras

Ele estava a caráter, como pedia o convite. Um terno grafite, de risca de giz, uma camisa branca frisada, uma gravata vinho de seda e uma máscara. A máscara era bem simples, completamente branca, cobrindo o rosto inteiro, presa por uma fita e com uma expressão sorridente.
Como tinha pouca gente, ele se sentia muito desconfortável. Ainda não havia a cômoda multidão na qual se esconder. As pessoas presentes estavam com amigos e ele não conhecia ninguém. O bar também não estava cheio, mas lá ele, pelo menos, sentia-se menos patético. Pediu um drinque e ficou sentado, esperando a festa encher.
Conforme passava o tempo, a pista de dança foi ficando mais cheia e ele foi ganhando confiança. Pediu mais um drinque e foi dançar. Havia vários grupos de pessoas dançando, e ele não fazia parte de nenhum. Apenas ficava andando de um lado para o outro ao ritmo da música. Não estava se divertindo nem um pouco.
A casa estava cheia agora. Não havia muito espaço para se movimentar entre os rostos mascarados. Todos estavam dançando, bebendo, conversando, flertando. Menos ele. Resolveu tomar mais um drinque. O bar estava cheio, todos os bancos estavam ocupados por máscaras mais ou menos tortas. Sentiu-se ainda pior, pois nem tonto estava.
Junto com o drinque veio uma resolução. Se divertir. Não havia ninguém conhecido, estava de máscara, era uma festa. Ajeitou a máscara e voltou para a pista de dança. Dançava muito bem e com vontade, apesar de tudo. E logo se tornou quem mais chamava atenção na pista.
E se formou um grupo ao seu redor. As pessoas começaram a dançar com ele, a falar com ele. Não sabia se era bom ou ruim, pois cada vez que alguém vinha lhe falar, ele suava, balbuciava alguma resposta e continuava a dançar. Mas, mesmo com o suor, a máscara não escorregava. Ele precisava de mais um drinque.
Quando voltou à pista, o grupo já estava formado e foi só entrar. Algumas pessoas tinham saído e outras entrado, mas ninguém o rejeitou. A música estava mais animada agora e ele voltou a dançar. As pessoas voltaram a tentar falar com ele e, com dificuldade, ele respondia. As respostas vinham mais soltas agora, efeito do álcool.
O tempo foi passando, a contagem de drinques aumentando e a conversa melhorando. Agora se apresentava, puxava assunto, dava cantadas. Ele foi se tornando o centro da festa. Ninguém o conhecia e nem se lembrava de quando ele tinha chegado, só que era divertido e dançava como ninguém.
A festa atingiu o ápice e ele passou. Ele já estava sem terno e sem gravata. A pista de dança minguando, o bar esvaziando e a hora de ir embora chegando. Ele pegou suas coisas e foi saindo. Tentou tirar a máscara que lhe cobria o rosto. Não a achou. E foi para casa com um rosto branco e sorridente.

sábado, 28 de agosto de 2010

Trilha

Eles já estavam chegando quando o carro bateu com toda a força em uma árvore. A pancada foi forte. O carro ficou destruído. Mas os dois ainda estavam de pé. Tentaram chamar o guincho, mas os celulares estavam fora de cobertura. Eles estavam presos na entrada da trilha. Não havia muito o que fazer, só seguir adiante ou voltar de onde vieram. Decidiram seguir em frente e, depois, ver o que fazer com o carro.
A trilha para o Pico da Manga era fácil, bem demarcada. Toda primavera dezenas de campistas percorriam-na para apreciar a linda vista que se tinha do topo. Isso sem contar que a trilha em si era maravilhosa, cheia de bromélias e orquídeas ao longo do caminho. Mário e Joana, particularmente, apreciavam mais a trilha do que o cume.
Conforme eles avançavam na trilha, foram percebendo que estava muito mais escuro do que seria o normal para àquela hora. As sombras se alongavam formando figuras quase sólidas, tamanha a escuridão. Os pássaros cantavam notas longas e lúgubres, como se anunciassem a própria Morte. Os insetos zuniam, fazendo um monótono barulho de fundo.
Eles seguiam sempre em frente, mas ao redor deles a paisagem escurecia ainda mais. Agora as próprias árvores pareciam sombras sólidas. Tudo parecia ter perdido a substância, como se estivessem em um reino feito de trevas. Mesmo o barulho dos pássaros e dos insetos não era mais o mesmo. Agora definitivamente era uma orquestra tocando uma marcha fúnebre.
No meio das sombras, eles se perderam. Tudo ao seu redor ficou igual, feito da mesma substância e já não havia mais sol para guiá-los. Só uma luz se sobressaia no meio da escuridão. Uma luz amarelada e tremeluzente que vinha da frente, para onde estavam indo. Não tendo outra opção, seguiram-na.
Chegando mais perto, perceberam que a luz que tinham visto era um olho, feito de chamas amarelas com a íris de brasas vermelhas. E o olho falou com eles. “Vocês estão no caminho certo. Apenas sigam a luz e vocês chegarão.” E como chama que era, se apagou. Mas ao se apagar revelou uma outra luz, mais longe, brilhante e completamente branca.
Mário e Joana já não estavam entendendo mais nada, mas se alguma lógica havia naquilo tudo, ela estava na direção da luz. E eles foram para ela. Avançaram pelas trevas, guiados apenas pelo brilho branco no horizonte. E o horizonte foi chegando mais perto e mudando a paisagem.
As formas de treva sólida em que as árvores se transformaram foram se dissolvendo na luz branca e aos poucos eles se viram em uma planície, completamente deserta, andando sobre um caminho delimitado por luz branca, pura e cristalina. Os limites do caminho eram compostos de uma série de ruínas cintilantes que eles não conseguiam entender, mas sabiam que deviam continuar em frente.
Depois de algum tempo sem nada para se ver, exceto o caminho luminoso, surgiu ao longe uma esfera azulada, que refletia o brilho que vinha do chão. Ao chegarem mais perto, eles descobriram que tal esfera estava exatamente no fim do caminho. Mais perto ainda, que era um outro olho, dessa vez de gelo, e que conforme se mexia, pequenos cristais se desprendiam do todo. E ela falou “Vocês estão no caminho certo. Apenas sigam a água e vocês chegarão.” E como gelo que era, derreteu.
E ao derreter, a água em que se transformou virou um pequeno riacho, que seguia em frente. E os dois seguiram o riacho, começando a suspeitar de alguma coisa. O riacho seguia para cima e conforme eles subiam, a trilha ia voltando ao que se esperaria de uma trilha: árvores, pássaros, insetos, tudo. Menos um riacho subindo o morro.
E ao final do riacho, eles finalmente entenderam. E finalmente descansaram.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Sardas

- Tio! Oh tio!!! - Chamava uma garotinha ruiva, com sardas, um vestidinho amarelo com margaridas e sandálias brancas. Ela falava com um homem, nos seus quarenta anos, vestindo um terno cinza com uma gravata vinho. Estavam no meio de uma rua movimentada, em pleno horário de rush. O homem corria, pois ele tinha uma reunião importante com a diretoria da empresa e estava trabalhando para esta reunião há meses.
- Onde está sua mãe, hein menina? - O homem não parava nem para olhar a garota, mas ela continuava o seguindo. Eles passavam por entre as pessoas e ninguém reparava neles. A multidão apenas seguia o seu curso, vivendo suas próprias vidas, já que não havia nada que a tirasse de sua monotonia.
- Oh tio, porque você está tão apressado? Mesmo com esse trânsito você ainda vai chegar cedo. - Por aquilo ele não esperava. Parou. Olhou bem para a menina. Deveria ter uns sete anos. Ele não a conhecia, mas tinha certeza que lhe era familiar. Pensou na escola dos filhos, nos parentes distantes. Nada. Deveria ser só impressão.
- Tá falando do que menina? Como você sabe disso? Aliás, quem é você? - A menina abriu um sorriso discreto, como se soubesse de alguma coisa que não queria contar. As pessoas ao redor deram alguns olhares discretos para o homem, mas continuaram a passar. E ele começou a ficar irritado.
- Estou falando da sua reunião, não é óbvio? Como eu sei? Simples: eu tinha que saber. E quem sou eu? Isso você só vai poder imaginar. - Dessa vez o homem ficou muito irritado. Agarrou a menina pelo braço e começou a levar ela para um posto de policia que havia por ali.
- Quem quer que sejam seus pais eles vão te dar uma bronca. Ficar bisbilhotando a vida dos outros e ainda por cima tirar sarro. Eu vou querer ter uma conversa séria com eles. - As pessoas começaram a olhar para o homem com algum interesse. Não era sempre que se via algo assim.
- Eu se fosse você não faria isso. No final das contas você só vai se atrasar para sua tão esperada reunião. - O homem não estava ouvindo mais. Ele queria apenas se livrar logo desse problema e ir para a reunião. Agora a menina era responsabilidade dele, ele não podia deixá-la sozinha na rua.
- Policial, eu queria entregar essa criança. Eu a encontrei sozinha, aqui nessa rua mesmo, e estava incomodando as pessoas na rua. - O atendente olhou para o homem como se ele tivesse falando o maior dos absurdos, olhou em direção à menina, coçou o queixo e fez cara de quem não estava entendendo nada.
- Meu senhor, de que criança você está falando? - Nesse momento o homem sentiu que a mão dele não estava mais segurando nada. Ele olhou para o lado e não viu a ruivinha, mas ouviu a voz dela em sua cabeça: “Eu não falei? A propósito, boa reunião.”

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Diana

Cheguei ao trabalho ainda meio dormindo. A noite não tinha sido boa, fora curta e sem sonhos. Cumprimentei todo mundo e fui trabalhar. A manhã sempre era a parte mais chata do meu dia. Arrumar os livros devolvidos nas estantes. Levava quase a manhã inteira e era muito cansativo, um ir e vir interminável. Apesar de tudo a manhã passou ligeira e eu fui almoçar. Sozinho. Novamente.
Depois do almoço, eu fui para o meu posto no balcão, para atender os usuários da biblioteca. O movimento estava fraco e resolvi ler um pouco. Peguei um romance que tinha parado no meio e relaxei. Mais para o final da tarde o movimento aumentou e eu tive que parar com o livro. Não era um mar de pessoas, mas tinha bastante gente. Grande parte, estudantes com livros pedidos pelo colégio. Quanto mais trabalho, mais rápido o tempo passava e mais perto eu ficava da hora de ir para casa.
Quando a biblioteca estava quase fechando, ela chegou. Toda afobada e com um livro na mão. Ela andava rápido pela pressa, mas, ao mesmo tempo, parecia flutuar por entre as prateleiras. Era uma jovem, altura mediana, cabelos lisos e negros como obsidiana. Tinha o corpo como se esculpido pelo melhor artesão da Grécia. Os olhos azuis como águas-marinhas, a pele como marfim e a boca como rubi. Ela veio diretamente a mim para ser atendida.
Fiquei uns dez segundos sem reação antes de pegar o livro da mão dela. Eu tinha a mente em outro lugar. Quando voltei a mim peguei o livro da mão dela e percebi que era o mesmo que estava lendo. Estranha coincidência. Ao dar baixa, vi o nome dela: Diana. Um lindo nome para uma linda mulher. E antes mesmo dela sair do balcão, eu estava apaixonado. Eu sabia que era errado, que alguém não pode se apaixonar só pela aparência de outra pessoa, mas não era algo que eu podia controlar. Uma paixão que eu sabia estar fadada ao fracasso.
Eu fui para casa pensando em Diana. No seu jeito de andar, na sua voz, nos seus olhos... Odiava ficar assim. Não era a primeira vez, mas sempre que eu ficava assim era por mulheres mais acessíveis, colegas de classe, companheiras de trabalho... Mas sempre era a mesma coisa: ficava com medo da rejeição e não falava com a pretendida e quando finalmente tomava coragem ou ela estava namorando ou pior, já tinha percebido e por eu não ter falado, me achava um idiota. Fui dormir pensando que dessa vez seria diferente. Da próxima vez que eu a visse, iria tentar alguma coisa, ou eu passaria o resto da vida almoçando sozinho.
No dia seguinte, a manhã passou mais lenta que o normal, os segundos escorriam lentamente se tornando lentamente minutos que viravam horas demoradamente. A pilha de livros para colocar na estante parecia gerar filhos a cada vez que eu olhava para ela. Quando finalmente acabou, já era quase hora do almoço, e fui perguntar para o outro atendente se ele tinha visto uma mulher com a aparência dela. Não tinha.
Fui almoçar correndo para não perder uma oportunidade de vê-la. Quando cheguei me coloquei no meu posto e esperei. Esperei e esperei. Provavelmente se ela viesse, viria no mesmo horário. O pico de movimento chegou e foi embora. Ela deve ter se atrasado novamente. Estava na hora de fechar a biblioteca e ela não tinha aparecido. Ela deve vir amanhã.
O dia seguinte passou rápido como uma geleira. Fiquei esperando por uma aparição do objeto da minha paixão, mas ela não apareceu. A semana escorreu como melaço e, todos os dias, ela não apareceu. O mês passou até que relativamente rápido, mas sem ela. Quando eu vi um ano tinha passado sem que ela surgisse.
Nunca mais vi Diana, mas nunca a esqueci.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Evanescente

Hoje eu tive um sonho.
Um sonho com um castelo todo de granito cinza e com oito torres altas, circulares e no topo de cada uma havia uma varanda que circundava toda a sua extensão. O castelo tinha ao todo trezentas janelas em formato ogival, cada uma decorada com motivos geométricos e tinha quatro grandes pórticos de carvalho com rebites de ferro, um para cada ponto cardeal. Circundando o castelo, e do mesmo material, havia uma extensa muralha dupla, em cima de que uma carroça poderia andar sem problemas e na qual cem soldados com piques e bestas vigiavam sem cessar os quatro portões que havia. Ao redor do castelo, uma pitoresca vila de pequenos comerciantes florescia. Havia uma igrejinha, uma taverna, um mercado, algumas lojas de suprimentos, algumas manufaturas, e muitas residências. As construções eram, em sua maioria, de madeira forte e escura, os telhados eram de palha de trigo, as ruas eram de terra batida e um forte cheiro de fezes de animais pairava no ar.
Deste castelo saiu um cavaleiro, de armadura completa e espada em punho, montado em um cavalo branco. Ele passou pela vila, pelas muralhas e seguiu um caminho por entre os campos de trigo que levava a um outro condado. Ele andou um dia inteiro até sair dos campos de trigo. Uma floresta escura e úmida o rodeava. Ele montou uma pequena fogueira com gravetos mais secos que encontrou, comeu as bolachas e carne seca que trouxera e foi se deitar em um saco de dormir velho e surrado ao lado do fogo que estava quase se extinguindo.
Quando o dia amanheceu, o cavaleiro seguiu viagem. Viajou por mais um dia. Ao final do deste, avistou ao longe seu destino: uma caverna. Ele montou o acampamento e dormiu.
E o sonho se evanesceu.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Eternidade


Nemo se levantou. Não se lembrava de ter deitado ou levantado. Só estava ali como se estivesse deitado desde o inicio dos tempos. Ou talvez antes disso.
Mas agora tinha se levantado e isso é o que era importante. Olhou em volta. Estava no meio de uma planície verde e ensolarada, por onde corria mansamente um riacho de águas claras. Cercando a planície, havia um bosque de árvores frutíferas. Ele começou a andar. Não sabia o porquê nem para onde ia, mas seguia com rapidez indo sempre em frente.
O chão abaixo dele era macio e não havia nenhuma pedra para servir de obstáculo. O capim era alto, mas não se movia enquanto ele caminhava rumo a lugar nenhum. Conforme andava o bosque ficava cada vez mais próximo e Nemo ia em direção a ele, embora não tivesse vontade.
 Chegando ao bosque, percebeu que as árvores eram como quaisquer outras árvores, e o bosque era exatamente igual a qualquer outro bosque. Exceto pelos detalhes. No bosque reinava o mais profundo silêncio. Não se ouvia o menor farfalhar das folhas ou o mais tímido piar dos pássaros. Não havia uma única folha caída e o chão era coberto por musgo verde e úmido.
Embora não tivesse fome, pegou um fruto e o comeu. Embora o fruto fosse macio e suculento, não tinha gosto algum. Era como se nunca o tivesse comido. Acabado o fruto, voltou pelo mesmo caminho que veio. E no chão não havia nenhuma marca, nenhum indicio de que ele tivesse passado por ali antes.
Ele passou pelo lugar onde começou e seguiu adiante, se aproximando do riacho, que corria sobre um leito de pequenas pedras regulares e arredondadas. Sem sede, Nemo pegou a água com as mãos e levou a boca. A água tinha um gosto metálico e não refrescava. Não era quente nem fria. Era como se não tivesse sido bebida.
Impassível, mergulhou no rio e ficou boiando ao sabor da fraca correnteza. Ao mergulhar, não fez barulho e nenhum barulho se ouvia do rio, nenhum murmurar das águas. Ele foi para a margem e saiu do rio. Estava seco como se não tivesse entrado. Foi caminhando de volta, sob um céu azul e sem nuvens onde um sol morno estendia seus pálidos raios sobre a planície sem fazer sombra. Por fim, voltou ao exato lugar onde estivera deitado.
Nemo deitou. Não se lembrava de ter levantado ou deitado. Só estava ali como se fosse permanecer deitado até o final dos tempos. Ou talvez depois disso.